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12/04/2007

"A violência nossa de cada dia"


                                          A violência nossa de cada dia

                                                                                             Gizelle Regina Cardoso1  
   

Estamos habituados a ouvir e ver cenas de violência nos noticiários de TV, jornais ou nas conversas com os amigos que começamos a encará-la como um fato corriqueiro ou mesmo esperado. Passamos a acreditar que viver em sociedade requer sofrer algum tipo de violência como o preço do aluguel a ser pago pelos grandes avanços e tecnologias que nos são oferecidos, senão a nós, pelos menos a uma parcela mais privilegiada.

   Todos os dias são registrados índices de acidentes no trânsito, a miserabilidade nas metrópoles, o exército de jovens e crianças que a procura de pão e pai se envolvem em crimes, uma série de maltratos contra mulheres por seus supostos companheiros, enfim, a lista é interminável e extremamente diversificada. E na maioria das vezes esquecemos que por trás das "manchetes vermelhas" estão pessoas, vidas com suas histórias e sonhos, alegrias e tristezas. Até mesmo nos sentimos felizes e agradecidos por continuarmos nossas vidas e projetos sem sermos atingidos por alguma dessas 'loucuras urbanas".

   No entanto, essa aparente tranqüilidade é momentânea, pois logo surgem as incertezas que nos tiram o sono e provocam doenças: como evitar ou proteger-me da violência? Ou ainda como proteger minha família? Para isso criamos uma série de "seguranças artificiais" como grades, portões, alarmes ou armas que fazem com que tenhamos a sensação de estarmos seguros. Lembro apenas que esse sentimento vai além do uso ou não desses subterfúgios, pois não é raro encontrarmos alguém que dispõe de todas essas invenções e vive preso em sua fortaleza, distante tanto dos perigos quanto dos encantos do mundo.

   Certamente que não seremos ingênuos em desconsiderar totalmente a realidade atual ou a eficiência dessas ferramentas contemporâneas. A questão não é exatamente esta, mas de como consideramos a violência como um fenômeno que está "fora", no "social", na periferia, ou seja, separado e distinto de nós. E sendo assim, se ela está distante basta construir maneiras de se defender dela, continuando dessa forma isentos de qualquer compromisso com a nossa própria realidade. Será que essa é a melhor alternativa?

   Nós não apenas fazemos parte do contexto a nossa volta como o co-construímos na relação com as pessoas, grupos e instituições. Isso significa que as variadas formas de violência desde as mais visíveis até as mais sutis e imperceptíveis são construídas na ação entre as pessoas e não um fato natural da vida.  E não sendo algo que 'nasce' com a gente, ela é aprendida e neste caso, pode ser desconstruída e transformada.

    Agora que percebemos que não estamos tão afastados desse quadro de violência que assistimos diariamente como poderíamos supor inicialmente, convido a refletir sobre o nosso papel como 'co-participantes' no fenômeno da violência. Pensemos nas "micro-violências", muitas vezes simbólicas, que estabelecemos com os outros cotidianamente. Nas relações de dependência e abuso que mantemos com familiares, amigos ou namorados em nome de sentimentos como amor, amizade ou proteção. Envolvemos os outros em nossas próprias carências e necessidades, exigindo-lhes que atendam as expectativas que depositamos neles, se não diretamente de maneira pesadamente velada. Lembremos de todas as chantagens emocionais, ameaças e xingamentos que se não proferimos, presenciamos em algum nível.

   Quantas vezes ouvimos "se você não for obediente, eu não te amo mais", "se você me abandonar eu não sei o que será de mim", se você fizer o que eu quero, eu ficarei ao seu lado"? Ou seja, uma série de pedidos que têm um preço alto, envolvendo, muitas vezes, a renúncia de si mesmo. Em nome do reconhecimento de alguém que amamos esquecemos do nosso Eu, dos nossos sonhos e desejos. Será que isso nos é tão estranho ou distante? Será que essa "violência de cada dia" não esteve presente em nossas vidas quando criança, adolescente ou adulto? A resposta daremos a nós mesmos, revirando nossas lembranças adormecidas.

   A violência se expressa de muitas formas e em diferentes nuances e não apenas através da agressão física e facilmente identificável. Essas situações que freqüentemente são utilizadas como estratégias educacionais ou sinais de amor e cuidado nada mais são do que pequenas violências psicológicas que são impressas no convívio familiar e que repercutem em nossa vida enquanto adultos. Desde cedo aprendemos com quem nos são mais queridos a conviver com esses padrões relacionais marcados por abusos e freqüentemente os repetimos no futuro, nas escolhas dos parceiros, nas relações com os filhos, na própria posição que assumimos socialmente de tolerância ou não para as várias práticas de violência. Isto é, passamos a aceitá-la mais facilmente sem ao menos identificá-la como tal e sim como um fato banal típico da contemporaneidade.

   Neste momento, podemos pensar: E o que fazer com isso tudo? Há alguma alternativa para a violência? Talvez possamos apontar que há uma saída para nós. Através do conhecimento da nossa própria história é possível compreender qual a conexão que temos com a violência, ou seja, como nos relacionamos com ela: aceitamos "naturalmente"? Negamos sua prática? Reproduzimos em nosso dia-a-dia? Ou nos indignamos com sua presença?  Essas reflexões podem ser feitas para que nossa vida presente seja mais livre das nossas violências passadas e que possamos construir novas relações mais saudáveis e maduras.

   Essa provavelmente não é a solução para todos os problemas que enfrentamos, seria utópico pensar isso. Porém, podemos supor que ao mudarmos nossa postura frente a esse fenômeno, ele não será mais o mesmo, que ele também irá se modificar a partir desse olhar e fazer diferentes. E sendo assim, podemos imaginar que é possível tecer novas relações e histórias em que a violência não esteja presente. A partir deste momento, não seremos apenas vítimas passivas do contexto e do nosso passado, mas sujeitos pensantes e transformadores, principalmente de si mesmos e de suas histórias. Concordam? Então, mãos a obra.


1. Gizele Cardoso, Psicóloga, Mestre em Práticas Sociais e Constituição do Sujeito. Formação em Terapia Familiar   Sistêmica.


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