Dizem que os períodos que estamos em desequilíbrio são os mais produtivos, ou ainda, como no ditado popular, que a necessidade é a mãe da invenção. Partindo da perspectiva da teoria piagetiana, quando algo nos desequilibra precisamos acomodar esse algo no nosso cérebro, gerando novos conhecimentos. Cada vez estou mais convencida de que a instabilidade nos faz criar, inventar, enfim, procurar novas alternativas. Ao viver num equilíbrio constante, não temos o que acomodar, diminuindo os questionamentos e os desafios. Uma boa definição para esse período é 'marasmo'.
Santo equilíbrio... Aquela sensação de conforto, como se tivéssemos dando um rumo para as coisas, para a vida. Santa inocência... Até que algo diferente acontece, nossa cabeça volta a trabalhar procurando soluções. Pronto, recebemos o combustível que gera novos movimentos, novas perspectivas. São coisas simples: a resistência do chuveiro que queima e faz a gente descobrir como trocá-la, a comida que não da certo e nos leva a reinventar a receita ou o pau no Windows que faz a gente refazer o que não tinha salvo (esse é o mais corriqueiro de todos). Santo desequilíbrio... que faz a gente dar alguns passos para trás e tantos outros para frente.
A própria Internet está recheada desses momentos... a novidade encontrada num site por acaso, resultado do link que clicamos sem querer; a alfinetada que recebemos de alguém num chat, uma pessoa que provavelmente nem conhecemos, ou o e-mail que chega na nossa caixa sem nem sabermos quem mandou, nessa alternativa não estou incluindo aquelas correntes cansativas que se disseminaram pela rede. Temos na Internet uma fonte rica em desequilíbrios e estímulos, mesmo que muitos se percam na demora da conexão. Tudo bem, a banda larga está vindo aí para dar uma mãozinha nisso.
Os desavisados podem não perceber os desequilíbrios que cercam as pessoas que estão em processo de criação. Vi um depoimento de Manoel Carlos, autor da novela Laços de Família, dizendo que sua vida vira um caos quando está escrevendo. Ele contou que não tem hora para almoçar, jantar ou dormir, seus horários ficam completamente distorcidos. Pequenas instabilidades que contribuíram para uma das maiores audiências do horário nobre da televisão brasileira.
Nossa sociedade está cheia desses "desequilibrados" que fascinam os "certinhos" mais convictos. Exemplos como: Chico Buarque, que escreveu suas melhores músicas em plena ditadura militar e pressionado pelos prazos de entrega, Vinícius de Moraes, com as declarações de suas antigas companheiras confessando como era difícil conviver com suas oscilações, Tom Jobim bebia muito e Elis Regina morreu por causa das drogas. E se é para citar mitos internacionais, temos os exemplos de Janis Joplin, James Dean e Marilyn Monroe. E para fechar com alguém mais atual, Vera Ficher e todas as polêmicas que traçaram sua carreira (não que eu seja sua fã, mas admito seu sucesso diante do público).
Não estou dizendo que é preciso beber, usar drogas ou ter uma vida completamente desregrada para produzir obras memoráveis como as personalidades citadas, mas que muitas vezes precisamos ser instigados para criar e procurar outras saídas. Quem já não se sentiu acuado diante de uma situação, reagindo das maneiras mais diversas? ... Tomou banho de chuva sem a preocupação de estar se molhando ou comeu a barra de chocolate sem contar as calorias?...
Também temos os exemplos da natureza: o mar revolto e a calmaria, a chuvarada seguida pelo sol, o inverno e o verão, a seca e a enchente... Afinal, depois da tempestade vem a bonança... Pra ver como nem a crença popular escapou.... A natureza está aí para comprovar a força dos desequilíbrios, desafios que o homem pensa que pode controlar com seu suposto equilíbrio. Nisso temos tanto a força do vulcão, que impulsionou o desenvolvimento de novas tecnologias para diminuir seu impacto, quanto à doença, que desencadeia um novo comportamento em quem ela atinge.
E se você está se perguntando o motivo dessa coluna ter ficado mais de um mês sem novos textos... Provavelmente a resposta terá múltiplas escolhas ou talvez se resuma na falta de desequilíbrios para que a mente da autora (eu mesma) voltasse a trabalhar. Afinal, quem entende como funciona esse processo de criação... Mas que essas malditas (ou benditas) ferroadas balançam nosso cotidiano e nos impulsionam, isso é difícil de negar.
E antes que eu esqueça... Seja bem-vindo a rotina sã dos desequilíbrios...