O nevoeiro ainda não se dissipou.
As árvores choram e molham minha cabeça.
Há um agito da passarinhada e a moça em passos curtos e decididos se dirige ao trabalho.
Os marrecos sacodem das asas o orvalho da noite e quebram o silencio abafado da cerração.
As águas do lago em forma de serpente refletem a copa dos plátanos amarelados.
É outono e pelo chão as folhas se espalham e se enredam nos meus pés.
Cumpriram um ciclo e se entregam ao seu destino.
São belas no seu conjunto de morte.
Conferem à paisagem uma cor dourada que enfeita o dia que começa.
Não dá para ficar indiferente.
As garças já foram pescar e o bem-te-vi anunciou que me viu.
No banco junto ao fícus podado descansa um bêbado também podado.
Cada um numa época se ergueu firme e depois foi abatido, um pela erva de passarinho e pelo abandono e o outro pelo abandono tão somente.
É a praça Tamandaré acolhendo o poeta, a trabalhadora, o bêbado e o passante indiferente, num abraço generoso.
Está feliz como uma mulher faceira entregue aos cuidados do maquiador e do cabeleireiro. Estão cuidando dela no momento.
Cuidados que merece de forma permanente, mas que recebe de longe em longe, como tantos outros marcos de nossa cidade e de nossa história.
Está feliz no momento, mas não esquece a magoa de ter sempre nos ouvidos uma rádio sabe-se lá porque, numa programação de quermesse dos idos sabe-se lá de quando, perturbando a paz dos taquarais e dos que buscam a sua sombra. Pode ser ilusão dos sentidos, mas parece às vezes que Bento Gonçalves tapa os ouvidos e os leões rugem em protesto.
De qualquer maneira ali está a praça para as crianças que são e para as que fomos. Bela e hospitaleira através dos tempos faz-se amadas por todas as gerações.