Assim que terminei de arrumar as malas e fazer os últimos aprontes para a viagem dei por falta do Bonifácio, que nos últimos dias andava sempre em casa, lendo, escrevendo e falando pouco.Mas como era hora de partir e como sei que o ratinho é despachado, não me preocupei.Deixei sobre a mesa uma caixa grande de flocos achocolatados, fechei a porta e sai.
Milhares de quilômetros depois, já no velho mundo,qual não foi a minha surpresa ao descobri-lo dentro de um sapato, enrolado nas enormes orelhas, ainda sentindo o efeito da travessia.Sua primeira observação foi de como é exíguo o espaço dentro um sapato, que tornara sua viagem quase tão desconfortável quanto viajar nas atuais classes econômicas das companhias aéreas.Fui obrigado a concordar com ele.Eu também viajara como se encaixado num número menor do que o meu.Mas pelo menos não paguei, me gozou ele.
Passada a surpresa inicial, e não tendo outra solução, juntou-se ao nosso grupo.Participou de todos os passeios, reclamou bastante da comida inglesa, mas de modo geral portou-se bem.Só na hora em que ficou sabendo de que iríamos ao Disneyworld, na França, é que se mostrou insatisfeito.
Disse que não tinha a menor vontade de conhecer seu parente Mickey, achava Minnie uma ratinha muito exibida e que aquele mundo de fantasia não era feito para alguém dotado de neurônios.Despejou seus preconceitos a respeito de algo que não conhecia e que pelo jeito não queria conhecer.Mas quando chegamos à estação de Waterloo de onde sai o EuroStar, trem que nos levaria a Paris, cruzando o túnel sob o Canal da Mancha, lá estava ele, sobre a mochila do João Pedro, meu neto.Assim estava constituída a comitiva: dois avós, uma tia, um neto e um ratinho metido e preconceituoso.
Mas bastou darmos o primeiro vistaço no Castelo imponente que domina o cenário da entrada para perceber a mudança no Bonifácio.O ajardinamento caprichado, a musica no ar e a diversidade de pessoas oriundas do mundo afora, numa Babel lingüística começou a cativar o ratinho.Notava-se na sua expressão fisionômica, se tal coisa existe em ratos, um brilho no olhar e um sorriso aflorando tímido ainda, mas que com o passar do tempo se transformaria em gostosas gargalhadas, de alguém integrado ao espírito da coisa.
Espírito que nada mais é do que mergulhar na fantasia, deixar aflorar a criança de cada um e apreciar a criação e criatividade dos responsáveis pelo parque temático.
Chegamos às quatro horas da tarde, momento do grande desfile.Carros alegóricos e personagens variadas faziam o rosto do João Pedro se iluminar de uma forma indescritível.
Ver sua alegria e encantamento fez valer todo o trabalho e sacrifício exigido para estar ali.
Bonifácio esqueceu rapidamente seu preconceito.Descobriu que era um tempo a ser vivido com entrega, sem teorias mirabolantes nem analises sociológicas. Ver, sentir, olhar, ouvir e gostar.
Foram três dias de aventuras, voando com o Peter Pan, lutando com os corsários do Caribe, passeando com o Dumbo, tirando fotos com o Mickey, navegando no lago das fabulas, gritando na montanha russa, visitando o Náutilus e sendo atacado pela lula gigante, não tão deletéria quanto outra que conhecemos por aqui.
Encontramos também o Pinoquio e o Gepetto, alem de passearmos pelo mundo num barco que nos levou através de belíssimas representações de todos os povos do planeta, tendo como fundo musical “small, small world”(é um mundo pequenino).
A estrutura hoteleira é boa assim como os restaurantes.A mancada foi pedir um vinho da casa e receber um vinho californiano.Afinal era uma steak-house, americana.
Como afirmou o Bonifácio, é doloroso chegar tão perto de Paris e não ir até o Quartier Latin ou arredores.Mas o tempo e a grana gastos na Disney foram bem empregados.O João Pedro , com seus cinco anos de idade liderou a farra e fomos todos crianças de roldão.Valeu.O Bonifácio esqueceu suas idéias preconceituosas e no final já falava com orgulho do compatriota, Walt, que havia inventado tudo isso.