Um lado pouco conhecido da biografia do Bonifácio é de que viveu um tempo em Taubaté, precisamente na casa da velhinha recém falecida. Nunca me contou exatamente como chegou lá, além de vagos comentários sobre ter lido uma crônica, num velho Jornal do Brasil, que esvoaçava pelo cais do Rio de Janeiro, quando desembarcou, vindo dos Estados Unidos. Na época não tinha ainda opiniões políticas, lia, mas falava mal, o português e foi atraído pela descrição dos bolinhos que a senhora preparava para seus visitantes.
Não tenho detalhes de como localizou a cidade. Porem ratos de orelhas compridas e com neurônios humanos implantados não tem dificuldade de se orientar. Passou um bom tempo em sua casa, apesar do gato com quem teve alguns atritos iniciais, mas que ao final resultou senão numa amizade, pelo menos numa convivência pacifica. Provavelmente ajudado pelo espírito conciliador e otimista da velhinha.
Sendo um contestador nato, apreciou muito mais a culinária e o carinho no trato do que o posicionamento político da velhinha.Porém, mesmo depois que saiu de lá continuou sempre acompanhando suas histórias e seus encontros clássicos com políticos através das crônicas.E tinha nela, velhinha de Taubaté, o símbolo da esperança e bom humor deste povo que adotou como seu. E guardava ótimas lembranças do tempo que lá passou. A cada crise nacional ela era referencia, porque candidamente acreditando em tudo que vinha do governo, transmitia, mesmo para os mais incrédulos como ele, um certo grau de “quem sabe?” ou “por que não ?”.
Mesmo quando ela “acreditava que uma investigação profunda era uma profunda investigação e não o contrário” como disse o Veríssimo.
Bonifácio tem certeza que a causa da morte foi uma pizza.Amigos seus lhe mandaram e-mails contando que um moto-boy foi visto se afastando da casa pouco antes de a encontrarem sem vida. Dizem que ao seu lado havia uma caixa vazia e que o gato estava comendo os últimos farelos. Ele sabia que a velhinha engolia de tudo, sempre com ótima digestão, mas também que ela não suportava pizzas.
Aproveitou para generalizar, dizendo que a maioria do povo brasileiro também não suporta pizzas. Que estas matam alguns e levam outros a matar e que ninguém fica o mesmo depois de ser obrigado a engolir uma delas. Quanto maior for, maior será a indigestão e suas funestas conseqüências.
Neste momento Bonifácio apronta sua viagem. Vai prestar as ultimas homenagens à velhinha de Taubaté.Embarca numa cegonha ou jamanta, confortavelmente sentado num dos Ômegas importados que chegam aqui no porto e vão servir para renovar a frota dos senadores e deputados lá em Brasília.
Antes de embarcar revela ainda uma certa esperança de que a morte da boa senhora tenha sido apenas um boato, uma noticia infundada, um momento de desespero passível de ser revisto.